quinta-feira, 1 de novembro de 2012

da escravidão


Há muito tempo que tento perceber qual será o ground zero da mulher, a sua verdadeira natureza uma vez despojada de todas as imagens patéticas a que nos vêm os homens colando desde que o mundo viu, pela primeira vez, um útero expulsar de lá um bebé sadio e com pulmões bem desenvolvidos que amotinou a caverna a noite inteira.
Já fomos bêbedas, ninfomaníacas, malas (a necessária alusão a Maria), carregadores da semente do diabo, perdição, redenção, assexuadas, fracas, bruxas, a mais pura das visões, impuras. Fomos Medusas e Cassandras, Penélopes e Medeias, Bacantes e Virgens Marias, loucas na mesa, ladies na cama.
E é cansativo, deixem-me dizer-vos, esta teatro constante a que as várias Intelligentsias nos tem submetido. Não que me sinta oprimida, não sinto. Caramba, pois se eu nasci para ser mãe e dar de mamar e trabalhar das 9h às 21h e fazer o jantar e ir ao ginásio lutar contra a gravidade e passar a vida no cabeleireiro e ofuscar com o meu brilhantismo toda a vida inteligente nos 40 m2 do escritório e ser o orgulho dos meus pais e ter a casa num brinco e ganhar menos que os meus "congéneres" masculinos e gastar quantias pornográficas (ah, a pornografia. Não vou por aí, hoje, sosseguem. É dia de todos os santos e uma rapariga tem de saber ser pertinente até na provocação) em cremes, depilação, roupa, comida light, almofadas, unhas falsas, mamas falsas, lábios falsos.
Não, não me sinto oprimida. Nem cansada, na verdade. O Sargenor já está a fazer efeito.

Se por um lado gostava muito de saber, de ver, o que é uma mulher, por outro já me contentava que ao menos se decidissem por um dos quadros. Por uma das personagens. Todas é que não vale, mesmo que alternadas de 200 em 200 anos.

E se às vezes me pergunto de onde vem esta absurda vontade de me contrariar, de não ser esta mulher, de me julgar e condenar quando choro no casamento de uma amiga ou engordo dois quilos ou deixo queimar o arroz ou procuro desesperadamente a mãe da criatura que me puseram nos braços e que começou a chorar, nunca me esqueço, também, que foi Zeus quem criou a Pandora. I know what you did there.


De resto, o próprio senhor Flaubert já o admitiu há uns anos:




Uma questão de saúde pública

O bichinho da escrita.
O bichinho da rádio.
O bichinho da televisão.
O bichinho do cinema.

Há anos que espero por que alguém se me confesse a(in)fectado pelo bichinho da faxina. O bichinho do passar a ferro. O bichinho de lavar escadas e janelas que dão para a rua. Nada.

Não obstante, com o bicho da escrita estamos perante uma verdadeira epidemia. Não haverá dinheiro para investigar a origem desta criatura que tantos aflige? Que tantos compele a enviar emails em massa com as respectivas "obras literárias" para editoras, com o fito de verem publicado o resultado de horas de expediente público passadas a produzir riqueza imaterial e imorredoira?
Não haverá uma folga, pequenina que seja, no orçamento de estado, para descobrir forma de mitigar o sofrimento destas pessoas?