sábado, 16 de fevereiro de 2013

Eu não sou teu pai

Demorei a decidir escrever sobre uma reportagem que li há uns tempos sobre a hipótese de os homens poderem voltar a recusar a paternidade.
Primeiro, porque me pareceu absurdo ter lembrado a alguém, não pensar, mas passar para palavras escritas tanta idiotice.
Depois, porque a cobardia, afinal e tal como desconfiava, não tem limites. E a cobardia, como um livro mal paginado, é uma coisa feia e sem desculpa, que perturba a compreensão e distorce a realidade.

Devem os homens poder recusar a paternidade?
Aqui se diz que, se uma mulher pode decidir fazer um aborto, um homem deve ter o direito a recusar a paternidade. Dito de outra forma, se uma mulher pode não querer o filho que fez, o homem deve também ter direito a não o querer.

Vamos por partes:
- Em Portugal, o aborto foi legalizado nem há meia dúzia de anos. A recusa em assumir a paternidade foi ilegalizada há 50 (mais coisa menos coisa?).
- Quando uma mulher faz um aborto, a criança que nunca chegou a sê-lo desaparece.
- Quando um homem recusa a paternidade, a criança não deixa de existir. Apenas não é problema seu.
- Quando uma mulher faz um aborto, pode ficar estéril, desenvolver várias doenças associada à intervenção, morrer.
- Quando um homem recusa a paternidade de uma criança nascida, não acontece nada a não ser essa criança crescer sabendo que o pai se recusou a reconhecê-la. Pode correr bem, pode correr mal. Para a criança, porque o pai, claramente, prós outros 'tá cagando, né.

Mas nada disto é assim tão relevante para o meu argumento, porque o problema real é outro
O problema é outro e maior.

Acho que todos sabemos, ou a maioria de nós, espero, que as crianças não nos são entregues por cegonhas. Que há coisa que não acontecem por acidente e o sexo é uma delas. Quando o sexo é acidental ou não intencionado por uma das partes, é crime, felizmente. Há muitos anos. Muitos mesmo.
A bem do entendimento, vamos assumir que, tirando as situações trágicas em que é feita uma queixa-crime, todos sabem, com maior ou menor nível de alcoolemia, o que estão a fazer quando o fazem. Pois se o conhecimento e reconhecimento do acto é universal, universal será o reconhecimento das potenciais consequências do dito:um namoro muito feliz, uma manhã constrangedora, chatos, herpes, um ego destroçado, assunto para conversa de balneário, DSTs várias, felicidade eterna, uma viagem às urgências, uma carteira vazia, filhos.

E embora algumas, não todas, destas coisas possa ser evitada através de métodos contraceptivos, nenhum método contraceptivo protege ninguém de tudo nem nenhum método contraceptivo goza de 100% de eficácia. Julgo poder dizer com certeza que por alturas do nosso 18º aniversário, se não vivemos numa redoma, temos obrigação de ter percebido que a única maneira eficaz de nos protegermos das sevícias do mundo reside em recorrer ao suicídio. Ou em comer os vegetais todos que temos no prato, também mo dizem.

Sendo assim, viver é um risco, pois.
Não faz mal, faz parte do contrato humano que assinamos com o primeiro berro na sala de partos.
E tudo o que fazemos tem consequências. O acto sexual entre um homem e uma mulher é uma dessas coisas. E a consequência mais antiga e universal de uma relação sexual (e restrinjo-me aqui ao acto sexual conforme descrito por Bill Clinton, não outro) - antes sequer de existirem doenças venéreas ou psicólogos e psiquiatras - é (outra) vida.
Por mais incrível que possa parecer, é verdade. Em última análise, será seguro atribuir a esta mania que as pessoas têm de se conhecerem biblicamente, desde que o mundo é mundo, o aquecimento global e os acidentes de avião.

Custa-me aceitar que a sociedade em que vivo permita uma lassidão destas em relação a uma das poucas coisas verdadeiramente sérias que uma pessoa pode fazer com a sua vida.

Deverá um homem consciente e são de mente, na plena posse das suas capacidades (sendo que a idiotice se exclui do caso), poder recusar a paternidade de um filho?
*Inserir sequência de asneiras tão forte que fariam corar um marinheiro*, não!

Porque há-de, então, uma mulher poder fazê-lo, recorrendo à opção do aborto, nos países onde o mesmo é legal?
Para começar e acabar, porque só as mulheres podem engravidar. A gravidez não põe a vida de um homem em risco (pode deixar-lhe os nervos em franja, sobretudo se viver com a parturiente, mas não pode matá-lo, de facto).
O mundo mudou. Tudo mudou. Temos computadores, cerejas em Outubro, Estado Social, Internet, lentes de contacto. Até «consultor» é uma profissão aceite e saber Latim parece ser tão raro quanto risível. O mundo mudou e não poderá nunca voltar a ser como era.

E se «Educação Sexual» é uma disciplina (!?), talvez a nossa atenção devesse estar focada não em ensinar 30 bisonhas criancinhas de 13 anos a pôr um preservativo (repito, temos Internet!) mas em ensinar-lhe o verdadeiro significado da vida e do sexo, e da responsabilidade que ambas acarretam. (Sim, eu lembro-me das minhas aulas de Desenvolvimento Social e Pessoal, para aqueles que não tinham Religião e Moral - na primeira aprendíamos a pôr preservativos e a separar o lixo; na segunda aprendíamos a incondicionalidade do amor de Deus, o perdão e a importância de fazer os trabalhos de casa.)

Voltar atrás num dever tão básico como o do reconhecimento das consequências das nossas acções é tão grave quanto retirar o poder de voto às mulheres ou a eliminação de todo o Estado de Direito. Se um homem pode voltar a fazer um filho e não o reconhecer, então eu quero o direito a ir-lhes à jugular sem que se apresente queixa na sequência do desvario.


quinta-feira, 1 de novembro de 2012

da escravidão


Há muito tempo que tento perceber qual será o ground zero da mulher, a sua verdadeira natureza uma vez despojada de todas as imagens patéticas a que nos vêm os homens colando desde que o mundo viu, pela primeira vez, um útero expulsar de lá um bebé sadio e com pulmões bem desenvolvidos que amotinou a caverna a noite inteira.
Já fomos bêbedas, ninfomaníacas, malas (a necessária alusão a Maria), carregadores da semente do diabo, perdição, redenção, assexuadas, fracas, bruxas, a mais pura das visões, impuras. Fomos Medusas e Cassandras, Penélopes e Medeias, Bacantes e Virgens Marias, loucas na mesa, ladies na cama.
E é cansativo, deixem-me dizer-vos, esta teatro constante a que as várias Intelligentsias nos tem submetido. Não que me sinta oprimida, não sinto. Caramba, pois se eu nasci para ser mãe e dar de mamar e trabalhar das 9h às 21h e fazer o jantar e ir ao ginásio lutar contra a gravidade e passar a vida no cabeleireiro e ofuscar com o meu brilhantismo toda a vida inteligente nos 40 m2 do escritório e ser o orgulho dos meus pais e ter a casa num brinco e ganhar menos que os meus "congéneres" masculinos e gastar quantias pornográficas (ah, a pornografia. Não vou por aí, hoje, sosseguem. É dia de todos os santos e uma rapariga tem de saber ser pertinente até na provocação) em cremes, depilação, roupa, comida light, almofadas, unhas falsas, mamas falsas, lábios falsos.
Não, não me sinto oprimida. Nem cansada, na verdade. O Sargenor já está a fazer efeito.

Se por um lado gostava muito de saber, de ver, o que é uma mulher, por outro já me contentava que ao menos se decidissem por um dos quadros. Por uma das personagens. Todas é que não vale, mesmo que alternadas de 200 em 200 anos.

E se às vezes me pergunto de onde vem esta absurda vontade de me contrariar, de não ser esta mulher, de me julgar e condenar quando choro no casamento de uma amiga ou engordo dois quilos ou deixo queimar o arroz ou procuro desesperadamente a mãe da criatura que me puseram nos braços e que começou a chorar, nunca me esqueço, também, que foi Zeus quem criou a Pandora. I know what you did there.


De resto, o próprio senhor Flaubert já o admitiu há uns anos:




Uma questão de saúde pública

O bichinho da escrita.
O bichinho da rádio.
O bichinho da televisão.
O bichinho do cinema.

Há anos que espero por que alguém se me confesse a(in)fectado pelo bichinho da faxina. O bichinho do passar a ferro. O bichinho de lavar escadas e janelas que dão para a rua. Nada.

Não obstante, com o bicho da escrita estamos perante uma verdadeira epidemia. Não haverá dinheiro para investigar a origem desta criatura que tantos aflige? Que tantos compele a enviar emails em massa com as respectivas "obras literárias" para editoras, com o fito de verem publicado o resultado de horas de expediente público passadas a produzir riqueza imaterial e imorredoira?
Não haverá uma folga, pequenina que seja, no orçamento de estado, para descobrir forma de mitigar o sofrimento destas pessoas?

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Wim Wenders e Aprendenders

Traição, segredos, mentiras.
Se me perguntam (que não perguntaram, mas por isso mesmo tenho este blogue), devia ser assim apresentada a história do Patinho Feio.
Uma pata põe um ovo e sai de lá um cisne.

Desenganem-se todos, que isto não trata o tema da diferença nem das agruras do crescimento. É de adultério que aqui se fala. E contam isto aos miúdos, à guisa de lição de vida, de encorajamento para todos os adolescentes trombudos e feiocos deste mundo. Não, meus amigos! Até podem ser feios e saibam que isso não tem mal nenhum (a não ser na adolescência. Aí é super importante ser giro de cair para o lado, lamento), mas não me convencem de que ser filho do padeiro é a mesma coisa que ter um nariz nada inconspícuo.

De clímax em clímax

A palavra «clímax» aplicada ao orgasmo.
E isto é um problema porque...?

Porque me estraga todo e qualquer estudo que possa querer conduzir acerca da tragédia.
Porque um orgasmo é um orgasmo e o Édipo a aperceber-se de que, vistas bem as coisas, matou o pai e conheceu, biblicamente, a própria mãe - e, subsequentemente, a cegar-se - é, isso sim, um clímax.
Diria que ninguém, no seu perfeito juízo, gosta de ver aproximadas estas duas situações.


Bem sei que um clímax é o momento mais intenso de algo, mas caramba!, que me estraga o Agamémnon sem necessidade nenhuma, com risinhos interiores muito adolescentes. Já para não falar dos Harlequins...